Entrando em intimidade com Jesus, começamos a sentir-nos “à porta” de um mundo íntimo maior, o mundo da sua familiaridade com Deus e da sua proximidade com toda a realidade, com as pessoas que encontrava e as situações que vivia…
A intimidade com ele é a porta de entrada para a intimidade dele, e é aí que percebemos que estamos diante do novo. “Certa vez, estava num lugar orando… e quando terminou, um dos discípulos pediu-lhe…”
É uma pergunta diante do novo, diante de uma experiência de fascínio, certamente, por contemplar a intimidade de Jesus com Deus e a sua proximidade da realidade.
Acredito mesmo nisto: que a intimidade com Deus nos faz próximos da realidade, ou seja, mais vivos, mais vigilantes, mais lúcidos, mais sábios, mais solidários… A oração ao jeito de Jesus é um dos exercícios dos que procuram o Reino. A tentação de fazer da Fé e da oração um movimento espiritual fechado num “ciclo de dois”, eu e Deus, é antiga… Foi mesmo um dos primeiros problemas na Igreja primitiva, presente já nos textos do Novo Testamento que desmontam o perigo do Gnosticismo.
Os gnósticos (de gnose, em grego, que significa conhecimento) eram cristãos, pertencentes às comunidades, que viviam uma Fé baseada no conhecimento intelectual de Deus, numa relação puramente individual e espiritual; para eles, Deus era um ser Supremo, uma Divindade sem rosto, e Jesus era um mestre escolhido que veio ensinar o caminho até essa divindade.
Os gnósticos separavam totalmente o chamado mundo “espiritual”, superior, divino, e o mundo “terreno”, material ou humano. O caminho para a divindade passava pela separação do “terreno” e subida ao “espiritual” através do conhecimento.
Diante disto, aparece-nos por exemplo a Primeira Carta de João, a iniciar assim: “O que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida” (1Jo 1, 1). Ao contrário da noção grega de conhecer (intelectual), o autor da Carta opõe a noção hebraica: conhecer é comungar, relacionar-se, sentir, aproximar-se, deixar-se transformar. Ver a Deus significa amar e viver na comunhão com Deus deixando-se transformar: mais que uma questão intelectual, é uma questão vital de tornar-se o que Ele é: “O que sabemos é que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como Ele é. Todo o que tem esta esperança em Deus, torna-se puro, como Ele, que é puro.” (1Jo 3, 2-3)
“Se alguém disser: «Eu amo a Deus», mas tiver ódio ao seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. E nós recebemos dele este mandamento: quem ama a Deus, ame também o seu irmão.” (1Jo 4, 20-21)
“Foi com isto que ficámos a conhecer o amor: Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos.” (1Jo 3, 16).
Percebendo que Intimidade com Deus e Proximidade da realidade são um movimento só, que a Filiação Divina se exprime e realiza na Fraternidade Humana, chegamos talvez à frase mais forte de todo o Novo Testamento: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é Amor.” (1Jo 4, 7-8)
Perante a tentação do conhecimento não-relacional dos gnósticos, o autor apresenta o verdadeiro caminho da relação com Deus (podíamos dizer, na raíz latina, o verdadeiro caminho da re-ligião): o Amor, entendido como vivência do amor fraterno, construção da comunhão ou, em linguagem evangélica: o Reino de Deus.
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